segunda-feira, 6 de abril de 2009

O mais precioso e o mais desnecessário dos lixos

O rebanho avança adiante, sem pastor e sem destino despejado ao céu estéril e cruel. A pele dura e ressecada– cascos queimados, denegridos e foscos, a carcaça é uma armadura contra as intempéries climáticas. Cadáveres revestidos de miséria, múmias enfaixadas de farrapos.
Pela garganta desce suas definições: o pó da terra. Os olhos pedintes, anunciadores de épocas escravocratas, a cabeça cozinha-se à fervura do clima árido, a febre rega-se no mormaço sorvendo os defuntos aos delírios desérticos.
Abandonadas, as multidões prosseguem, mal andam– esqueletos em película negra e poeirenta. São espectros vagando em direção a luz, sobreviventes de guerra, filhos de pelejas centenárias, eternos pagãos, alvos das violências covardes e súbitas dos senhores do mundo. Contudo, os bandos não desistem da vida, seguem, apenas seguem. E porque caminham, alguém me explique por que diabos, essas criaturas peregrinam numa fila sem tamanho qual artilharia marchando rumo a morte incorrigível!?
A excepcional negritude se mistura ao chão ardil– caco morto-vivo espreitado pelos abutres famintos que sobrevoam com as moscas aos seus milhares e o vento aperta-lhe as chagas evolutivas feito um lençol quentíssimo, mas as dores das inflamações externas parecem atenuadas pelas moléstias interiores...
As doenças moram em tudo: na água, no ar, no solo...
A comida o que é?
E o que bebem?
As divindades do ocidente os desconhecem, ocupados em atender aos caprichos capitalistas e emocionais da classe média alta e os deuses do oriente estão inquietos e mui concentrados nas guerras territoriais e religiosas, de modo que não dispõem tempo para atender as questões desse povo.
Como pode haver vida por aqui, gente vivendo nisto e naquilo?
Entre as escórias eles são os detritos de um tempo vergonhoso, de ambições e vaidades egoístas, vítimas da globalização excludente, resquícios do descaso capitalista, resultado da beleza afortunada dos semi-deuses, todavia, é desse inferno que o paraíso magnata é sustentado, é sobre esses escombros que os castelos dos dominadores politicamente corretos são edificados e é de suas desventuras que depende a prosperidade bélica, a indústria bem-sucedida do tráfico, a prestação do desserviço filantrópico-assistencial e toda a economia mundial. Por isso, o que vejo é confundindo com minha idéia– o mais precioso e o mais desnecessário dos lixos–, mas meu Deus, eles são humanos! Eles são imperfeitos– imagem e semelhança dos deuses que os rejeitam como quem não quer enxergar sua feiúra no espelho– meu Deus, eles também são filhos de Deus!

Por Sérgio Lagartixa

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