Por Rubem Amorese
Deus tem uma capacidade incrível de “virar o jogo”. Transforma azar em sorte (pois se faz nossa sorte), dá filhos à estéril e descendência ao idoso solitário. De pequeninos de peito suscita perfeito louvor e aperfeiçoa seu poder na fraqueza. Da morte tira a vida e da vida faz-se Senhor.
Um dos meus episódios prediletos a respeito dessas surpreendentes “viradas” divinas está quase oculto num momento tão dramático da vida de Jesus e seus discípulos que passa quase despercebido. Trata-se da palavra de Jesus a Pedro, nos momentos anteriores à sua prisão e morte, conforme o relato de Lucas (22.31,32).
Já pressentindo a chegada da hora, Jesus dirige-se a Pedro e lhe diz: “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo. Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmãos”. Não posso deixar de notar que, em algum momento daquelas últimas horas, Jesus participa de uma reunião, parecida, talvez, com aquela relatada em Jó 1. E nela Satanás “reclama” a vida de Pedro. O termo indica tratativas anteriores, acordos já firmados, com base nos quais Satanás apela. Conversamos sobre isso outra hora.
O surpreendente é que, como acontece em Jó 1, Jesus diz a Pedro que Deus deferiu o pedido de Satanás. E ele diz isso indiretamente, ao trazer a “boa notícia”: “eu, porém, roguei por ti”. O movimento esperado seria de que, mediante a intercessão de Jesus, Pedro se livrasse da peneira. Mas Jesus esclarece que a defesa apresentada consistiu em que sua fé não desfalecesse. Ou seja, ele não se livraria da peneira de Satanás, como Jó também não se livrou.
Meu primeiro impulso é de discordar do Altíssimo e de Jesus, e achar que eles entregaram o pobre Pedro a inútil sacrifício, inexplicavelmente. Qualquer pai, em seu juízo perfeito, teria feito diferente: preservaria seu filho, por mais provocante que fosse o desafio. Imagino, até mesmo, Satanás dizendo: “Pedro? Teu discípulo? Teu servo fiel? Ora, ele não resiste ao menor safanão! É um bufão, arrogante, impulsivo. Diz que está pronto a morrer por seu Mestre, mas não resiste até o cantar do galo.” Em parte, Satanás estava certo; nosso herói cairia três vezes, antes do cantar do galo.
Bem, parece tudo perdido, tanto para Pedro quanto para nós, leitores atentos do episódio. E pensamos cá com nossos botões: “se é assim, se Deus aceita desafios a respeito de seus filhos e os entrega, então quero distância dele. Não tenho vocação para bucha de canhão. E um pai assim eu dispenso”. Pensamos assim até atentarmos na seqüência da oração de Jesus e no que foi feito de Pedro. Jesus diz: “tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmãos”. Traduzindo: “Pedro, quando você sair da peneira, lá na frente; quando se recobrar desse momento de dor e sofrimento, faça uma coisa: cuide dos seus irmãos”.
Com essa recomendação, Jesus estava revelando o “ministério personalíssimo”: naquilo que sofreu, Pedro será capaz de “socorrer os que são tentados” (Hb 2.18). Referindo-se ao próprio Cristo, o autor de Hebreus diz que convinha a Deus aperfeiçoar, por meio de muitos sofrimentos, o Autor da salvação” (2.10), para que Ele se tornasse fiel sumo sacerdote.
Com aquela intercessão por Pedro, Jesus estava “virando o jogo”, estava preparando um ministério sutil, pessoal e intransferível para Pedro — o ministério resultante do seu sofrimento pessoal. E não deixou de investi-lo: “Pedro, quando você se recuperar, exerça esse sacerdócio que agora lhe entrego. Haverá dores, tristezas e fraquezas que somente seus olhos perceberão no coração de seus irmãos; fortaleça-os, da mesma forma como fortalecerei o seu, em alguns dias. O que você não for capaz de ver, deixe estar; há outras vidas sendo reclamadas por Satanás. Intercedo também por elas, para que não se percam, pois me serão preciosas no sustento da minha igreja.”
fonte: revista Ultimato
sábado, 4 de outubro de 2008
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