quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O birosca, o canil e a amoreira do reino de Deus

Meus vizinhos mais próximos são: de um lado, um bar e do outro, um canil. Você deve imaginar o barulho que tenho que conviver diariamente. No canil, dezenas de cãezinhos tipo, mitocôndria ou diria, micropoodle latindo copiosamente, ininterruptamente todos os dias. Do outro, os ruídos angustiantes daqueles que fazem de um bar, a extensão ou a varandinha de casa que eles dificilmente freqüentam. No canil, a sinfonia difere entre os variados matizes de latidos dos mais agudos aos graves. No bar, a música é melancólica, vai de um ode de desespero a um angustiante pedido de desculpas, que na música, é bem expressado por uma traição má sucedida, que agora, o personagem da música tenta buscar a reconciliação. E os odores...? Você deve estar pensando que canil é fedorento...nem tanto! A dona até que limpa direitinho. No bar, é um misto de cachaça, cerveja, churrasquinho, suor, cigarro, azedo, mal hálito, arroto, suvaco e tudo quanto for atrito das peles.
Passando a narrativa desse ambiente, digamos, conflituoso...há também a questão do espaço. Dia desses vinha chegando de carona com um amigo. Assim que cheguei me deparei com uma cena bizarra. Na calçada de minha casa, estavam cinco mulheres...dei uma sacada de cima a baixo numa questão de reconhecer o que aquilo significava. Todas as cinco estavam bebendo cerveja e depositando seus respectivos copos e garrafas em cima do meu muro...você imagina o tipo de mulher...cocanhar rachado, cuspindo no chão, cabelo desgrenhado, suada, usando calça corsário, tamanco e fedendo a mijo...aquilo me deixou puto!!! entrei bufando, irado...mas o que podia eu fazer?...entretanto o nervosismo persistia. Indignado, resolvi fazer alguma coisa para abstrair...fiz um café...amanteguei algumas torradas e sentei-me no corredor que dava lateral à casa dos microchips..ops..!..micropoodles..*rs
Nesse terreno ao lado, há uma grande amoreira. Seus galhos esparramam-se por um raio de cinco metros do seu eixo. Na época das amoras, a árvore transforma-se num tipo de santuário dos passarinhos esfomeados que devoram as frutinhas maduras em questão de segundos. Nesse dia insólito, me deparei com uma linda alternância de cores e formas que as aves, de diferentes espécies faziam, no seu baile do crepúsculo. Conforme vinha a tardinha...reparei que elas aquietavam-se nos ramos e assim defini bem suas espécies...e eram várias! Elas ficavam ali nos seus trinados, um canto após o outro na respeitabilidade do instinto. Naquele dia vi a harmonia da inconsciência, a comunhão da diversidade...e tudo isso na irracionalidade dos bichinhos. Na mesma hora associei àquele cenário dos passarinhos o drama dos relacionamentos humanos. O homem não se respeita. Não sabe onde seu espaço termina e começa o do outro. Imagino que consciência seja uma dádiva que poucos têm. Consciência, seria a capacidade que o homem tem de conhecer valores e mandamentos morais e aplicá-los nas diferentes situações. Infelizmente, “valor” e “moral” são elementos relativizados na construção do caráter do ser humano. Minha esperança de paz reside na simbologia significativa da amoreira. Ela me faz lembrar um texto dos evangelhos: “O reino dos céus é semelhante ao grão de mostarda que o homem, pegando nele, semeou no seu campo; o qual é, realmente, a menor de todas as sementes; mas, crescendo, é a maior das plantas, e faz-se uma árvore, de sorte que vêm as aves do céu, e se aninham nos seus ramos.”. Talvez minha interpretação nada tenha a ver com a exegese do texto, porém, levando em conta que, se o reino de Deus é como aquela amoreira, onde os pássaros aninham-se nos seus ramos e, estabelecida a paz, gozam de descanso...que mal há em crer na esperança do reino de Deus? Se o reino de Deus é um lugar ou uma condição, porque não anelar por esse santuário da harmonia? Nesse lugar, todos os homens serão servidos pelas amoras da Graça de Deus, viverão em acordo e aliança de se respeitarem e se amarem para sempre.
Agradeci a Deus pela oportunidade de apontar, como sinal da sua Graça, a amoreira e os passarinhos.

Por Márcio

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